O Estado do Paraná obteve uma importante vitória jurídica na quarta-feira (5) em uma disputa com a União pela propriedade de uma área de 1.085 hectares localizada dentro do Parque Nacional do Iguaçu (PNI). O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acatou os argumentos da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná (PGE-PR) e reconheceu que a área, que inclui o trecho brasileiro das Cataratas do Iguaçu e o Hotel das Cataratas, é de propriedade estadual.
A área, antigamente chamada de “Saltos de Santa Maria”, foi registrada em nome do Estado do Paraná na matrícula 35.598 do Cartório de Foz do Iguaçu. A extensão territorial equivale a aproximadamente 1.520 campos de futebol e abriga alguns dos principais atrativos turísticos da região. A União havia ingressado com uma ação judicial em 2018, buscando cancelar o registro da matrícula sob a alegação de que se tratava de uma área devoluta federal – ou seja, um terreno público não cedido ou ocupado legalmente por particulares. No entanto, após uma sentença inicial favorável à União, o Estado do Paraná recorreu, e o TRF-4 decidiu, por unanimidade, a seu favor.
No processo, a PGE-PR apresentou documentos que comprovam que a área foi doada pela União, por meio do então Ministério da Guerra, a um particular chamado Jesus Val, em 1910. Em 1919, o Estado do Paraná adquiriu a área desse mesmo proprietário e registrou a escritura no cartório de Foz do Iguaçu. Esses fatos foram reconhecidos pelos desembargadores do TRF-4, que entenderam que a área não poderia ser considerada devoluta, uma vez que havia sido incorporada ao domínio privado após a titulação feita por Jesus Val.
O relator do caso, desembargador Luiz Antonio Bonat, destacou em seu voto: “Entende-se que a área em questão não é devoluta, já que foi concedida pelo Ministério da Guerra a Jesus Val na antiga Colônia Militar do Iguaçu. No momento em que a área foi titulada pelo particular, incorporou-se ao domínio privado, perdendo o caráter devoluto”. Ele acrescentou que “resta incontroverso que o Estado do Paraná nunca concedeu a posse da área para Jesus Val, e quem o fez foi o Ministério da Guerra, o que restou itido pela própria União”. O voto foi acompanhado pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto e Gisele Lemke.
A decisão do TRF-4 representa um o significativo para o reconhecimento definitivo da área como parte do patrimônio estadual, embora a União ainda possa recorrer. O procurador-chefe da Coordenadoria Judicial da PGE, Júlio da Costa Rostirola Aveiro, comemorou a vitória: “Foi uma atuação muito intensa da PGE no interesse do Estado. Conseguimos abrir a matrícula em 2012, e a União entrou com essa ação buscando reaver a propriedade. Atuamos diuturnamente no processo, esclarecendo a questão, e o Tribunal acolheu nossas considerações, concluindo que a área pertence ao Estado do Paraná. Isso é uma grande vitória”.
Caso o entendimento jurídico seja mantido, a decisão pode trazer benefícios financeiros ao Paraná. Uma das possibilidades discutidas é a destinação de parte das receitas operacionais da concessionária que istra os serviços turísticos do Parque Nacional do Iguaçu para o Estado. Atualmente, esses recursos são direcionados ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal responsável pela gestão da área. A vitória judicial abre caminho para futuras negociações entre o Estado e a União sobre o uso e a exploração econômica desse importante patrimônio natural.
Alerta
No entanto, o Parque Nacional do Iguaçu informou que pode interromper a operação turística se isso se manter. A informação é do ICMBIO. De acordo com a nota enviada na manhã de sexta-feira (07), o Parque irá recorrer da decisão.
Leia a nota na íntegra
Sobre a decisão do TRF-4 em favor do Estado do Paraná, no que diz respeito à posse ao território de cerca de mil hectares dentro do Parque Nacional do Iguaçu, entendemos que, do ponto de vista jurídico, cabe recurso e revisão da decisão, matéria que deve ser tratada no âmbito do Governo Federal, através da AGU, ICMBio e MMA.
Do ponto de vista técnico, o posicionamento da gestão local do PARNA Iguaçu é que, aparentemente, a decisão focou exclusivamente no interesse econômico, mas a interpretação está equivocada.
A eventual transferência de posse do monumento natural, istrado pelo Poder Público Federal desde 1939, não torna o Estado do Paraná apto a receber os recursos da concessão, realizada por contrato firmado entre a União e a iniciativa privada mediante processo licitatório federal, para gestão do uso público de 60% do território do PARNA Iguaçu, e não apenas da visitação às Cataratas.
Entendemos que isso tornaria o contrato nulo, causando imensos transtornos à operação turística, que precisaria ser interrompida até que a desafetação da área seja completada, a fim de que o Estado assuma a gestão do território.
O cancelamento do título de patrimônio natural da humanidade, concedido pela UNESCO, é certo. Cabe indenização à União pelas infraestruturas existentes no local, como o Hotel, restaurante, mirantes e arelas, bem como precisaria definir quem deu causa aos prejuízos à iniciativa privada para ressarcimento, se União ou o Estado do Paraná.
Como consequência, até que todas essas questões sejam devidamente sanadas, o imbróglio jurídico poderia provocar o fechamento do Parque Nacional do Iguaçu por anos, impactando toda a cadeia produtiva do turismo em Foz do Iguaçu e região.
As consequências ambientais, que não foram analisadas na decisão, também seriam catastróficas. Não sabemos se o Estado do Paraná teria interesse na manutenção do status de área protegida do território, ou se daria curso à ocupação da área por novos empreendimentos turísticos, como hotéis e restaurantes.
Mesmo que a decisão seja pela manutenção da proteção ambiental, a gestão terá necessariamente que ser desentranhada dos mais de 170 mil hectares de maciço florestal que não são alvo da disputa. Todos os instrumentos constituídos até hoje pelo ICMBio perderiam validade, acordos, convênios, planos de manejo, uso público, pesquisa, com impactos imediatos e tardios para sociobiodiversidade.
Diante de tudo o que foi exposto, considerados a decisão intempestiva e temerária e esperamos que seja revertida, para o bem do meio ambiente, da sociedade local e de todo o Brasil.