Matéria publicada originalmente na edição 100 da Revista 100fronteiras, janeiro de 2014.

Você já deve ter se perguntado o porquê do nome André está entre parênteses. Vou explicar: quando chegou a Foz do Iguaçu, os comerciantes tinham dificuldades em pronunciar o nome Mohamed, foi aí que todos começaram a chamar o empresário de André, um nome mais fácil. Ficou então conhecido por um nome ocidental, diz que é um título comercial.

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O batismo com nome ocidental é uma prática muito comum, principalmente por asiáticos. Quando migram para as Américas, escolhem um nome popular para ser chamado, pois a fonética de palavras de origem asiáticas é sempre difícil para os latinos pronunciarem. Muitos coreanos, principalmente cristãos, escolhem nomes bíblicos como: Mateus, Marcos, Lucas e outros.

Nascido na Palestina, Sr. André, de 68 anos de idade, nasceu em uma família de agricultores. Eles plantavam azeitonas, trigo, cevada, gergelim, tomate, lentilha dentre outros.

O sustento vinha da terra, quando colhiam e vendiam. O que so brava era armazenado.

“É algo da raiz, os árabes são ótimos agricultores, dificilmente você encontra um ando fome, eles plantam e comem, têm uma reserva, e não desperdiçam”.

Vendiam a colheita na feira, nas ruas, com a mercadoria sobre uma carroça ou para distribuidores e fábricas. A azeitona tinha uma boa saída, era o carro-chefe dos negócios.

Na safra, os compradores iam às plantações para negociar, quando a negociação não acontecia, não havia problema, pois guardavam tudo em tambores dentro das residências, e logo vendiam.

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Ele trabalhava ajudando os pais, aos 12 anos, já estava com a mão no arado. Gostava de plantar tomate e pepino, regava e colhia tudo sozinho, e depois vendia na cidade.

“Era uma vida muito natural, foi nessa época que eu comecei a entender a arte de ser comerciante ajudando a família”.

Era costume colocar a mercadoria numa carroça, movida a burrinho, e sair pelas cidades que não plantavam alguns produtos, os quais André e a família possuíam, assim, eles vendiam mais.

Já na feira, era tudo no gogó mesmo, ou porta a porta nas ruas.

“Nós sempre dávamos um jeito para vender, não ficávamos acomodados em casa, negociar, é da nossa essência”.

Diferente de muitos adolescentes, Mohamed não curtiu a juventude, ele só trabalhava e fazia tudo com honestidade.

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Em 1947, foi criado o Estado de Israel em território Palestino. Essa é uma disputa antiga entre árabes e judeus. Com a ocupação, mais de 60% das terras foram tomadas e a Palestina encolheu. As famílias perderam terras e tiveram de imigrar ou ficar em campos de refugiados.

Com a diminuição, o país ficou apertado e difícil de trabalhar, pois a população foi obrigada a morar em um espaço reduzido. Uma das soluções de sobrevivência era sair do país.

Os jovens tinham grande prazer em querer imigrar.

“Trabalhar na agricultura não dava muito futuro, era só para sobrevivência mesmo”.

Muitos foram para o Kuwait, Arábia Saudita, Golfo Pérsico e Alemanha. O empresário desejava ir para Alemanha, pois queria muito ajudar a família.

Era comum os jovens saírem e voltarem com dinheiro, ou retornavam em busca de uma noiva. Alguns levavam parentes para trabalhar em outros países, isso despertava desejos e sonhos na juventude. Mohamed tinha um primo que morava no Brasil, esse parente foi que o introduziu a nação verde e amarela.

Na época, tinha 18 anos, era solteiro, estava pronto para ganhar o mundo. As terras dos pais de André ficavam há cinco quilômetros da nova fronteira, os pais tiveram sorte em não perder, mas os avós perderam tudo com a ocupação.

Na década de 50 só se estudava até o primário na Palestina, não precisava estudar muito para trabalhar, a pessoa necessitava apenas da experiência, diploma não valia muito. Estudavam apenas seis anos e depois tentavam imigrar. Em 1958, o primo Yassem Kassem, veio para o Brasil e voltou em 1963.

Como tinha bom contato com o primo, Sr. André já conhecia algumas peculiaridades brasileiras, e queria muito se mudar, mas a mãe dele pedia para esperar o primo chegar e falar mais um pouco, pois era uma longa jornada para percorrer enfrentando muitos riscos, tudo tinha de ser bem pensado.

Mohamed e o primo Yassen
Mohamed e o primo Yassen.

A viagem

Em outubro de 1965, o primo visitou a Palestina mais uma vez, foi aí que o tão esperado dia havia chegado, o acordo tinha sido feito, Mohamed, viria ao Brasil. A viagem foi de barco da Palestina até a Argentina, pois o empresário não havia conseguido o visto para o Brasil devido à idade, estava com 18 anos.

Foram 30 dias de muita água, e diversas paradas em outros países. Sr. Mohamed lembra muito bem a data da partida, foi em 07 de outubro de 1965, um mês antes eles compraram a agem.

O barco chamava-se Cardenise, era uma embarcação grega para ageiros. Eles aram pela Grécia, Alexandria no Egito, Nápoles na Itália, França, Espanha, ficaram três dias em Barcelona e trocaram de navio, um bem maior, com capacidade para 1500 pessoas e com mais conforto.

Pelo caminho, paravam em ilhas e faziam compras. De Barcelona até a primeira parada na América Latina, no Rio de Janeiro, foram 15 dias no mar. Os ageiros eram imigrantes ou pessoas que estavam voltando para rever os parentes.

As acomodações eram em quartos, e quanto mais baixo, mais barato. Ele ficou no segundo andar e dava para ver a água.

“Eu não tinha medo, o povo era animado e o navio era bom, tinha piscina e restaurante”.

A estadia no Rio de Janeiro foi rápida, ficaram três dias e aproveitaram para conhecer as belezas locais. Depois, foram a Santos (São Paulo), e só depois partiram para Buenos Aires, para ficar na casa de um amigo.

Chegaram às duas da madrugada na Argentina, aram por um problema muito comum entre os imigrantes: não falavam Espanhol. Só tinham o árabe e um pouco de Inglês. Para surpresa deles, ainda no aeroporto, avistaram um táxi.

Não foi um comum, pois quem dirigia era uma mulher árabe. Ela, ao reconhecer que eles eram estrangeiros, aproximou-se e começou a falar em árabe com eles, assustados e surpresos, conversaram.

Ela trabalhava no turno da noite e o marido durante o dia. Para ela, a chegada deles era normal, pois muitos avam por ali e ficavam perdidos sem saber onde pedir in formação. Na Palestina, eles nunca viram uma mulher trabalhar como taxista, ainda mais a noite.

Ela conhecia o responsável por ajudar os estrangeiros que chegavam à cidade, era argentina, filha de sírio com libanês. Quando Sr. André falou o nome da pessoa que eles procuravam, ela já sabia quem era, disse que os levaria até ele, e que seria a pessoa mais indicada para ajudar.

O táxi seguiu pelas ruas de Buenos Aires, enquanto a motorista, toda animada, pedia aos visitantes que cantassem músicas em árabe e falassem algumas curiosidades sobre o mundo árabe e a Palestina.

“Durante os 30 minutos de corrida, a gente só cantava”.

Ao chegarem, ela recomendou um hotel, onde aram o que sobrou da noite. Já pelas nove da manhã, foram à loja do homem que ia ajudá-los.

O homem procurado era líder da comunidade árabe local, e adorava receber imigrantes e ajudá-los com vistos e acomodações. Os dois filhos do homem levaram Mohamed e o primo para um eio pela cidade.

Chegada ao Brasil

Ficaram três dias por lá, e depois André conseguiu o visto para o Brasil. Quando chegaram definitivamente ao Rio de Janeiro, foram para a Rua Uruguaiana, onde existiam lojas de árabes. Ao avistarem o comércio, ficaram alegres.

Do Rio, partiram para Porto Alegre. Yasser, o primo, tinha loja lá. aram a noite viajando, e logo que chegaram à rodoviária, avistaram a fachada da loja com nome em árabe, mas era hora de almoço e a loja estava fechada.

Tudo era diferente, mas ele já tinha noção do país, sabia que para ganhar dinheiro aqui era preciso dar duro. O primo disse que os árabes no Brasil pegam uma mala e saem vendendo de casa em casa, sem isso, não iria conseguir vencer na vida. Yasser disse: “no Brasil, você vai viver do braço, e nada de turismo, não será um eio”.

Ele não se assustou tanto com a natureza, pois trabalhava na agricultura, e tinha muito contato com o verde. A comida pareceu-lhe estranha, com muito feijão com arroz. Ele ouviu dizer que a comida no Brasil não era por prato, você paga e come à vontade em alguns lugares, ele se assustou, diz que só aqui tem isso.

Lembra que o choque com a comida começou em Buenos Aires. Na primeira vez que foi a um restaurante, serviram um frango inteiro, ele olhou as sustado e disse: “Para que tudo isso? Vai ser muito caro”. André estava preocupado com a conta, só depois descobriu que não importava o quanto comia, o preço era o mesmo.

A língua era necessária para sobrevivência, aprendeu logo o básico para não depender do primo para tudo. Decorou as palavras de cumprimentos, dinheiro, números, praticava muito, em pouco tempo já sabia bastante.

“Todo árabe que chegava, já tinha um caderninho de tradução para praticar”.

Quando precisava pedir algo, olhava os livros e gravava as palavras. Diz que não tinha vergonha de falar errado.

“O brasileiro aceita tudo. Se você falar errado, eles não acham ruim, alguns até falam que é bonito ouvir um estrangeiro tentado se virar com o português”.

Lembra que sempre quando mascateava, não ficava em hotel, os clientes o convidavam para ficar na casa deles. Quando se hospedava, as pessoas o enchiam de perguntas sobre a Palestina e brincavam bastante. Pediam para ele falar em árabe e cantar. “O Brasil me recebeu bem”. Até hoje por onde anda, diz que o país é receptor. “Aqui não tem diferença de raça, é tudo igual”.

Sr. André mal chegou e já se dispôs ao trabalho. Era uma loja de confecção e tecido.

Trabalhava com o primo, mas também colocava mercadoria numa carroça e saia mascateando no interior para vender de porta em porta, vendia nas fazendas e residências.

Os itens eram comuns, tais como: toalhas, camisa, camiseta e calça. Sempre levava duas malas, uma era dos produtos que vendia, e a outra servia como reposição de estoque, que ele deixava em outro lugar.

Ganhava todo o lucro do que vendia nas saídas. Trabalhou um ano e meio e depois conseguiu juntar um capital, então decidiu vir para o Paraná. Ele veio para Medianeira, em março de 1967, onde o primo abriu uma loja. Mohamed, já com capital, entrou em sociedade com o primo.

Chegada a Foz do Iguaçu

De funcionário, ele ou a ser empresário. Após um ano e meio, eles ficaram sabendo através de um amigo que tinha um bom ponto comercial para vender, na Avenida Brasil, em Foz do Iguaçu.

Eles fizeram um negócio com o libanês que era proprietário, e mudaram para Foz em oito de novembro de 1968, e com rapidez, montaram a filial. Ficaram 10 anos por lá. A Avenida Brasil era simples, sem asfalto, as poucas lojas tinham telhas brasilit, não havia beleza e nem majestade, e ainda ava ônibus que levantava poeira.

Em 1968, já tinha um banco na Avenida, o Rio Monjolo estava exposto, havia uma ponte em que era possível ver o Rio ar pelo Centro e era uma rua de mão dupla.

Primeira loja de Mohamed
Mohamed e os sobrinhos em sua primeira loja.

A clientela da loja era formada por paraguaios e argentinos. Mas, os maiores compradores na década de 60 eram paraguaios. A reposição do estoque da loja era feita através de São Paulo.

Depois, dividiram a sociedade, o empresário ficou com a loja de Foz e o primo com a de Medianeira.

“Não existiam muitos árabes em Foz como hoje, eram uns 150, a imigração começou em 1952”.

O casamento

Casou-se em 21 outubro de 1970. A esposa trabalhava na loja dele, ela é argentina. Paula Baez Hassamestá, hoje, com 62 anos de idade, é o braço forte do marido em tudo. Eles se casaram na Argentina, pois ambos não tinham visto permanente no Brasil, ainda estavam tentando. Depois, traduziram os documentos e conseguiram a permanência.

A família ficou mais internacional ainda. Ele, palestino, casando-se com uma argentina. O pai dela era argentino e mãe paraguaia, chegaram ao Brasil em 1964, e o Sr. André de patrão virou marido.

Diz que tudo que ele não sabia, ela sabia perfeitamente, e vice-versa. Os dois se encaixaram direitinho, foram crescendo juntos. O primeiro filho: Nasser nasceu em novembro de 1973. O nome foi uma homenagem a Gamal Abdel Nasser, um militar egípcio, presidente do país em 1954.

O segundo filho: Yasser nasceu em abril de 1976 e também recebeu um nome de um lutador: Yasser Arafat, que foi o líder da Autoridade Palestina, presidente da Organização para a Libertação da Pa lestina, um ícone da luta pela causa palestina.

O casal tentou aumentar a família, mas em uma gravidez mal sucedida, perderam gêmeos, em 1976.

Aniversário de Mohamed com a família
Aniversário de Mohamed, junto com a sua família.

A Vila Portes

Após 10 anos no centro, ficou sabendo que a Vila Portes iria crescer, como era visionário, decidiu abrir uma loja no novo bairro. Na Avenida Brasil ficou apenas com varejo, na filial, trabalhava com o atacado.

A outra loja foi aberta em 1981. “Era uma loja de exportação para vender calçados para o Paraguai”. Com a chegada do MERCOSUL as coisas ficaram ainda melhores. “Era uma época boa, mas ou, foi de 1981 até 1994”. Com o capital adquirido na época, ele construiu um prédio onde funciona a loja da Vila Portes.

Loja na Vila Portes em 1981
Loja na Vila Portes em 1981.

O retorno a terra natal

A primeira viagem à Palestina foi em 1963, realizou o sonho de ajudar a família, a ideia dele no início era vir para o Brasil, montar um capital e retornar para Palestina a fim de trabalhar. Mas, como tinha família e loja, foi difícil deixar o Brasil. Diz que a cada três anos ele visitava a família. Sempre mandava dinheiro, falava por telefone ou por cartas.

Em 1970, a mãe de André (Shafica) faleceu, ela não chegou a visitar o Brasil. Já o pai Mahmoud Hassan, veio três vezes. Ele morreu em 1993.

Na primeira visita à Palestina, ele não trouxe ninguém para o Brasil. Mas, na segunda trouxe um irmão mais novo do que ele, em 1979 (hoje é comerciante em Foz, casado com uma Palestina e tem três filhos).

Em 1984, em outra viagem, ele trouxe um sobrinho e irmão caçula. Em 1990, veio outro sobrinho, o círculo continuava, quem estava aqui sempre trazia um parente, a família foi crescendo. Hoje, todos se reúnem e festejam juntos. O empresário tinha 10 irmãos, cinco homens e cinco mulheres.

Mohamed perseverou enquanto muitos foram para o Paraguai quando acabou o MERCOSUL, e as vendas caíram. Ele sempre achou a vida no país vizinho era muito sofrida, preferiu ficar aqui. Como a empresa é familiar, ele ou os negócios para o filho mais velho, que faz tudo. Ele tem mais uma filial na Rua Jorge Sanwais, a qual a sobrinha e a nora istram.

André é líder da comunidade árabe Palestina em Foz do Iguaçu. Sempre lutou pela causa do povo, faz eventos e se mobiliza. Quando tem reunião política, ele corre para participar. É um influenciador e tenta trazer uma melhoria ao sofrimento palestino (Mohamed sempre se emociona ao falar sobre o sofrimento do povo Palestino).

Diz nunca se arrepender do que já fez pela Palestina. “É uma causa muito justa, é uma tragédia de um povo, nenhuma nação ou o que o palestino viveu”. Ele sabe que não esta lutando no país, mas pode divulgar pacificamente as necessidades do povo.

Ele diz que graças a Deus nunca teve problemas com a policia, e vive em harmonia com a vida. Está tranquilo que os negócios da família vão dar continuidade. Para ele, alguns momentos são preciosos hoje, como: ar o dia na chácara com a família, plantar e lembrar os velhos tempos, cuidar dos animais, entre eles cavalos de puro sangue árabe, colher muitas frutas e legumes, comer comida natural e fazer festas.

Hoje, ele só deseja saúde para viver, pois o que tinha que conquistar já conquistou em termo de capital, ele quer apenas curtir a família e amigos. “Para mim, Foz é especial, tem tudo aqui, estamos num paraíso”.

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1 Comentário

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  1. Um grande homem, não só pela luta que é comum a todos os imigrantes , mas pelo caráter , generosidade, educação , honestidade . Com seu sorriso caraterístico ,inseparável da sua fisionomia , a todos recebia com aconchego , disposição e abraço de irmão . Seu sucesso é dádiva de Deus pela sua generosidade . Lutador pela causa e no anonimato , só queria servir à causa palestina . Convívio amigável e sereno com toda a coletividade Árabe independente da sua origem , Síria , Libanesa ou Palestina . Tenho certeza que o André , como é realmente é conhecido por todos ou Mohamad Al Tawil , Abu Nasser para os palestinos , em todos esses anos não fez um único inimigo , pois só tem amigos. Que Deus o abençoe com toda sua família , que merece nosso respeito e reconhecimento .