O primeiro hotel de luxo

Alberto Santos Dumont ainda é lembrado como um dos mais ilustres visitantes das Cataratas. Em 1916, ano da visita, ele tinha 43 anos e já fazia 10 que havia levantado voo com seu famoso 14-bis na França. Suas impressões da viagem ao Iguaçu ficaram registradas no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 11/05/1916.
Dumont conhecia hotéis nacionais e internacionais como poucos de sua geração. Na entrevista, comentou sobre as modestas condições de hospedagem em Foz do Iguaçu: “imagine que não existe nem hotel por aquelas paragens”. E complementou: “existe, com o nome de hotel, uma casinha com dois quartos e uma sala, apenas…”.
Em 1937, outro visitante ilustre ou pela região. Mas ele era desconhecido no Brasil. Karl Albrecht, um nobre austríaco da dinastia dos Habsburgos, se hospedou na Igreja Católica. De acordo com o padre Vicente Hackl, isso ocorreu porque não havia hospedaria adequada “para pessoas de certa representação social”.

O diagnóstico de “inexistência de hotel” feito por Santos Dumont ainda seguia válido em 1937. Mas, por pouco tempo. Naquele mesmo ano, o Governo do Paraná iniciou as obras do Hotel Cassino Iguassú. De acordo com o jornal O Estado, o Interventor Manoel Ribas “assumiu o compromisso de construir um hotel de luxo naquela zona distante”.
De acordo com o que consta no livro Hotel Cassino Iguaçu, publicado pelo SENAC em 2019, o início das atividades do hotel foi em outubro de 1940. Em janeiro de 1941, chegou em Foz do Iguaçu o Major José Acylino de Castro, sua esposa Rosa Cirilo e a cunhada Carola Cirilo. Eles foram os “arrendatários” que gerenciaram o empreendimento até 1981.

Atrativos para os turistas
A já mencionada matéria do jornal O Estado informava que poucas cidades do Paraná teriam o privilégio de ter um hotel com o “máximo conforto moderno”. Hoje pode parecer estranho, mas naquela época, um quarto com banheiro era um luxo. No Cassino Iguassú, foram construídos seis!
Além das suítes, havia mais 12 quartos de casal, 12 de solteiro, 6 acomodações para empregados e banheiros de uso coletivo. Outro diferencial para a época era o fato de ter “água encanada em abundância” e “instalações elétricas”. A primeira caldeira para aquecimento de água encanada em Foz do Iguaçu foi no hotel Cassino.

Por meio de um documento de 1943 sabemos que Francisco Essich foi quem instalou e dava manutenção no sofisticado sistema de caldeiras. Contratado pelo Major Castro, Essich era austríaco, tinha 68 anos e era veterano da Primeira Guerra Mundial onde havia lutado como oficial do Império Austro-húngaro.
Além da comodidade, a experiência do turista era elevada a outro patamar com as apresentações artísticas de grupos musicais paraguaios. As melhores refeições da região eram servidas ao som de violão, harpa e vocal.
Além da música internacional, outra iniciativa chama a atenção. Nos fundos do hotel, havia um mini zoológico com jacarés, onças, quatis, macacos, veados e até uma anta. Além destes animais, havia também algumas espécies de aves. Rita Araújo, afilhada do casal Castro, recorda de uma Arara Vermelha. Era uma ave que “impressionava” pela beleza e pela interação com as pessoas.
Economia e cultura
O hotel trouxe empregos diretos e se tornou cliente de muitos agricultores e comerciantes locais. Seu mini zoológico e outras atividades comunitárias atraiam as pessoas da cidade para visitar o espaço. Para a vida social de Foz do Iguaçu, o bar do hotel se tornou uma referência para as primeiras iniciativas culturais que floresceram nos anos 50.
No final dos anos 40, Foz do Iguaçu começava a se tornar um lugar diferente do que havia sido nos anos anteriores. A implementação do Parque Nacional do Iguaçu mudou completamente a dinâmica da região. Era possível chamar a cidade de cidade turística. O próprio hotel Cassino tinha sua frota de veículos para recepcionar ageiros no aeroporto ou no Porto Oficial.

A vida cultural da cidade foi elevada a outro patamar a partir das confraternizações entre amigos que ocorriam no hotel. Foram a partir desses encontros que surgiram iniciativas como o primeiro jornal da cidade, A Notícia (1953), a primeira rádio, Cultura (1955), a primeira gráfica, a SAGIL (1957)e o Lions Clube (1956).
Alguns desses projetos, como o da gráfica, tiveram vida curta. Mas esse não foi o caso da rádio Cultura que completa 66 anos em 2021. Por um tempo, a rádio funcionou em uma das suítes do hotel. Depois ganhou sede própria e programas que foram acompanhados com exclusividade por pelo menos uma geração de iguaçuenses.
Rita Araújo, por exemplo, tem boas recordações dos programas de auditório. Eles reuniam pessoas no auditório e suas transmissões eram acompanhadas por boa parte das pessoas da cidade.
Outro evento memorável foi o “natal da criança pobre”, que era realizado todos os anos em prol das crianças carentes. Essa foi uma atividade iniciada em 1955 e coordenada por Rosa Cirilo. O natal das crianças carentes se tornou uma festa popular que acontecia tanto no hotel quanto na praça Almirante Tamandaré.

O Major Castro
Nascido em 1900, o Major foi oficial do Exército e da Força Pública de São Paulo, antes de chegar em Foz do Iguaçu em 1941. O então jovem oficial fez parte da Revolução Tenentista de 1924. De acordo com o livro Hotel Cassino Iguaçu, foi durante a agem dos revoltosos que “o segundo-tenente José Acylino de Castro conheceu e, ao que tudo indica, se encantou pelo extremo Oeste do Paraná”.

Era considerado uma pessoa “reservada” e de “elevado nível cultural”. Nos anos 1950, há registros de reuniões regionais nas quais o Major teria participado com os prefeitos de Guaíra e Cascavel. Na posse do governador Moisés Lupion, em 1956, foi um dos integrantes de uma “comissão de iguaçuenses” que esteve na capital para prestigiar a cerimônia de posse.
Idealista e empreendedor, o Major Castro foi uma voz mais importante na defesa dos interesses locais, especialmente do turismo, nas esferas estadual e federal. Em maio de 1943, por exemplo, ele escreveu uma carta para o Secretário de Segurança Pública relatando um problema na fronteira.
Empenhado em “difundir o turismo nestas esplêndidas regiões do Paraná”, o Major Castro relatou que a polícia local resolveu “proibir o trânsito de turistas” pelo porto General Meira. Sua reclamação não tinha a ver com o Hotel Cassino, mas com o desenvolvimento do turismo. Mais especificamente, ele denunciava que o “lado brasileiro” estava perdendo turistas para o “lado argentino” por conta de uma decisão das autoridades locais.

História, turismo e cultura
O hotel Cassino Iguassú oferece uma possibilidade única para pensarmos as relações históricas entre o turismo e a cultura em Foz do Iguaçu e região. Foi o primeiro hotel “de luxo” que certamente teria mudado a opinião de Santos Dumont que, falecido em 1933, não pôde acompanhar as mudanças depois da implementação do Parque Nacional.
Para a cidade, fez toda a diferença a istração do Major Castro. Além da preocupação com o turismo, esse personagem (pouco conhecido) foi central na reunião de pessoas e na concretização de iniciativas culturais como a criação do primeiro jornal e da primeira rádio local. Falecido em 1965, o Major não conheceu o que viria a ser o turismo depois da Ponte da Amizade e da Itaipu Binacional.
Meu trabalho de graduação da primeira turma de arquitetura da UDC, utilizei o Hotel Cassino, revitalizando como Museu Histórico e Centro Cultural para Foz do Iguaçu.