O que pode surgir do encontro improvável entre uma alemã e um africano no coração da Namíbia? Talvez nada. Ou talvez um parque de aves em Foz do Iguaçu.
Dra. Anna-Sophie Helene, veterinária, aterrissou no país sem prever que seu coração encontraria lar em terras tão distantes. Lá, o amor floresceu com Dennis Croukamp, um homem de inteligência prática e autodidata, que dominava desde as engrenagens de uma mina no deserto até o cockpit de um avião. Juntos, construíram uma família e estabeleceram-se na Ilha de Man até que Dennis recebeu o presente que mudaria suas vidas para sempre.





Pumuckl é um tipo de duende da mitologia alemã, mas para os Croukamp, foi o motivo que os trouxe para Foz do Iguaçu. O papagaio-do-congo, espécie conhecida por sua inteligência e capacidade de imitar sons, foi dado ao casal como presente de uma amiga. Pumuckl rapidamente se tornou um membro da família e despertou a paixão de Dennis pelas aves.
No início dos anos 1990, uma mudança levou a família para a Ilha de Man, no Reino Unido. Lá, encontraram o antigo gerente da mina onde Dennis trabalhava, que sugeriu que ele investisse no ecoturismo emergente de Foz do Iguaçu e abrisse um parque no Brasil.







Em 1993, o casal fez sua primeira visita a Foz do Iguaçu. Dennis conversou com autoridades ambientais, políticas e líderes locais. Após analisar cuidadosamente as oportunidades, o fluxo de turistas e o potencial econômico, além de realizar visitas técnicas à Argentina, ao Paraguai e à Itaipu, ele decidiu pela execução do projeto. Porém, não como o amigo havia sugerido.
Dennis estava cativado pela região, em especial pela proximidade com as Cataratas do Iguaçu, um atrativo natural para turistas de todo o mundo. Ele sentia que era o local perfeito para sustentar o projeto, tanto financeiramente quanto em termos de conscientização ambiental. Junto à esposa, adquiriram 16 hectares de terra ao lado do Parque Nacional do Iguaçu. Ali nasceria o que hoje conhecemos como Parque das Aves.

1990s
Durante a construção, Dennis e Anna tomaram uma decisão: preservar cada árvore nativa, um compromisso que definiu o caráter do projeto. O trabalho foi árduo e manual, com intervenções mínimas, garantindo que a flora e fauna locais fossem respeitadas ao máximo. O Parque começou a tomar forma e foi projetado para ser um espaço onde as aves pudessem viver em habitats que simulassem seu ambiente natural.






Contaram com o apoio de amigos e da comunidade local, que se envolveu profundamente com o projeto. “No início, fizemos tudo juntos, o a o. À medida que o projeto avançava, nós nos revezavamos entre cuidar de nossas filhas na Ilha de Man e supervisionar a construção em Foz. Dennis, muitas vezes, meditava sentado em um toco de árvore, enquanto eu me dedicava à execução prática das tarefas”, lembra Anna.
Dennis planejou e supervisionou pessoalmente cada etapa das obras do parque. Ele era responsável por cada detalhe, desde a colocação de pedras até o traçado das trilhas, assegurando que a visão do casal se materializasse sem comprometer a integridade da mata nativa ao redor. Anna, por sua vez, como médica veterinária, dedicava-se ao bem-estar dos animais que começavam a chamar o parque de lar, garantindo que cada espécie recebesse o cuidado adequado que, em sua maioria, eram aves resgatadas pelo Ibama ou doadas por outros zoológicos.








1994
A abertura do Parque das Aves em Foz do Iguaçu, no dia 7 de outubro de 1994, foi o ápice de 11 meses de intenso planejamento e construção. A cerimônia de inauguração contou com a presença de mais de 200 pessoas, incluindo autoridades locais e estaduais, membros das Forças Armadas e representantes do setor turístico de Foz do Iguaçu. Figuras proeminentes, como o governador Mário Pereira e Roberto Marinho, presidente das organizações Globo, acompanhado de sua esposa, Lili Marinho, destacaram-se entre os convidados, evidenciando a importância do empreendimento para a região.






Logo após a abertura, a realidade econômica bateu à porta e o casal se viu obrigado a tomar decisões drásticas. Venderam o carro, maquinário e até um diamante. Para completar os recursos necessários, recorreram à generosidade de um vizinho amistoso que ofereceu um empréstimo.
Como estrangeiros, Dennis e Anna também enfrentavam desafios na istração do parque. As barreiras linguísticas e as diferenças culturais às vezes transformavam tarefas istrativas simples em complicados emaranhados burocráticos. A situação encontrou alívio com a chegada de um contador competente que, além de sua habilidade técnica, falava alemão. Ele tornou-se essencial ao resolver as complicações fiscais e regulatórias que o casal enfrentava, garantindo que a operação se mantivesse dentro da legalidade e eficiência.







Mas, se podemos creditar alguém, foram os moradores de Foz do Iguaçu que ajudaram o casal a se fortalecer. Aos fins de semana, famílias inteiras – crianças, avós, amigos e tias – frequentavam o parque, transformando-o em um local de encontro comunitário. “O Parque das Aves sobreviveu aos primeiros anos graças ao apoio da comunidade local”, agradece Anna.
1996
Essa não foi a única vez que a comunidade iguaçuense ajudou a família Croukamp a superar dificuldades. Pouco tempo depois, Dennis adoeceu e enfrentou uma longa batalha de mais de um ano contra a doença, durante a qual sua esposa esteve constantemente ao seu lado. Após sua morte, o Parque das Aves fechou suas portas no dia do seu funeral, um gesto que refletia o profundo respeito que todos sentiam por ele.





“O Parque das Aves fechou no dia de seu enterro, e eu recebi inúmeras mensagens. Não me permiti muito tempo de luto e voltei para Foz continuar o trabalho. A equipe do Parque das Aves foi incrível! Eles deram vontade à velha viúva estrangeira lagrimosa para continuar”, comenta Anna.
Anna enfatiza a importância do apoio de sua equipe durante esse período: “Criei uma mesa redonda para discutir e compartilhar as dificuldades com os colaboradores, e eles defenderam os interesses do Parque como tigres.” Esse engajamento dos colaboradores mostrou a resiliência do grupo, a forte cultura de lealdade e dedicação que havia sido cultivada entre os colaboradores do Parque. “Até hoje, a lealdade deles me dá muita força.”




2000
Sob o comando visionário de Anna, o Parque desabrochou em uma nova era de prosperidade e propósito. Com ela à frente, o parque se firmou e se expandiu. Neste refúgio, cada ave resgatada, cada espécie ameaçada de extinção encontrou um local seguro, uma chance de sobrevivência que talvez não existisse em outro lugar.
Frente a um crescente número de aves resgatadas e à urgente necessidade de proteger espécies em risco, Anna priorizou fervorosamente o reforço das ações de conservação. Isso envolveu estabelecer alianças estratégicas com outras instituições e zoológicos, ampliando assim o impacto e o alcance de suas missões conservacionistas.
Simultaneamente, a infraestrutura do parque ou por uma transformação substancial durante os anos 2000. Novos viveiros e recintos foram erguidos para abrigar o número crescente de aves resgatadas. Esses espaços foram concebidos para proporcionar um habitat mais natural e propício ao bem-estar das aves, ao mesmo tempo que ofereciam uma experiência educativa e imersiva aos visitantes, o que levou o Parque a ganhar reconhecimento internacional por suas ações.

2015
A Dra. Anna recebeu uma das mais altas distinções civis do Brasil: a Medalha de Mérito Legislativo, concedida pelo Congresso Brasileiro. Esta honraria reflete o reconhecimento nacional pelas notáveis contribuições de Anna à conservação da fauna e ao desenvolvimento sustentável no país. A premiação simboliza um aval público às suas incansáveis iniciativas de proteger a biodiversidade, enfatizando seu papel fundamental na promoção de práticas ambientais responsáveis e na educação sobre a importância da sustentabilidade no Brasil.



2016
A Dra. Carmel, filha de Anna e Denis Croukamp, então diretora-geral do Parque, fez uma descoberta alarmante que veio a redefinir os rumos da instituição. Durante suas atividades de pesquisa e monitoramento, Carmel notou o desaparecimento da pararu-espelho (Paraclaravis geoffroyi), uma pequena ave nativa da Mata Atlântica. Esta espécie, notável por suas manchas metálicas nas asas que remetiam a pequenos espelhos, havia cessado de ser vista na região de Iguaçu, levantando temores de uma possível extinção local.





2017
A Mata Atlântica é um dos lugares mais ricos em diversidade de vida no planeta, abrigando 8% de todas as espécies mundiais. É essencial para a qualidade de vida de todo Brasil, fornecendo recursos como água, regulação do clima local, alimentos, madeira, e fibras. Além de ser rica em plantas medicinais e ajudar a manter a fertilidade do solo.
Esse bioma é casa para árvores como o jequitibá-rosa e o pau-brasil, e também para animais endêmicos, como a pararu-espelho. A recente extinção desta rolinha, causada pelo desmatamento e pela degradação ambiental, foi um alerta claro.
Sensibilizada pela gravidade da situação, Carmel intensificou os esforços para proteger a biodiversidade da Mata Atlântica, dando início a uma nova era no Parque. A instituição inaugurou a Divisão de Bem-estar Animal, que reuniu especialistas em comportamento e saúde aviária. Além disso, estabeleceu o Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil (CSE Brasil). Essa nova entidade, em colaboração com a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), dedica-se a salvaguardar a fauna brasileira, com um enfoque especial nas espécies ameaçadas

2019
O Parque fez um movimento audacioso e necessário: um reposicionamento estratégico que redesenhava a própria essência da experiência oferecida aos seus visitantes, alinhada com o compromisso com a conservação da Mata Atlântica. As trilhas e viveiros foram reestruturadas, cada espaço que foi revitalizado buscava elevar a experiência de um simples eio a uma verdadeira conexão espiritual e educacional com o bioma e suas espécies.
Essa transformação no Parque coincidiu com um prestigioso reconhecimento: a acreditação pela Associação Latino-Americana de Parques Zoológicos e Aquários (Alpza), tornando o parque a primeira instituição zoológica no Brasil a alcançar tal distinção. Este reconhecimento validou as práticas exemplares do parque em cuidados com os animais, pesquisa científica, programas educacionais e envolvimento comunitário.

2020
Em 2020, foi construído o novo Viveiro Cecropia. Este novo habitat, com 66 metros de comprimento e 22 metros de altura, foi planejado para oferecer um ambiente natural e seguro para suas residentes: cerca de 300 periquitos resgatados do tráfico ilegal e de situações de maus-tratos.
O nome “Cecropia” homenageia a embaúba, árvore típica da Mata Atlântica, cuja altura varia entre 4 a 8 metros. Dentro do viveiro, as árvores vivem uma relação de benefício mútuo (chamada de simbiose) com uma espécie de formiga, do gênero Azteca, criando juntas um ecossistema perfeito. Além disso, os frutos da embaúba servem de alimento para diversas aves.

2021
Em 2021, a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB) reconheceu a instituição como referência em bem-estar animal. O ano também trouxe inovações no Parque, entre elas o lançamento de sabores exclusivos de picolés no Bistrô da Mata. O projeto, em parceria com a Oficina do Sorvete, a linha de picolés “Sabores do Iguaçu” inclusive ganhou o Prêmio Nacional de Inovação em Sustentabilidade do Sebrae em 2022. Valorizando frutas da região, os novos sorvetes promoveram uma experiência gastronômica única, incorporando ingredientes locais como pinhão, butiá e erva-mate, oferecendo sabores que refletem a rica biodiversidade de Iguaçu.

2022
Em abril, o Parque celebrou um marco em seus esforços de conservação com a chegada de um casal de pererecas-rústicas (Pithecopus rusticus), uma espécie recém-descoberta e já gravemente ameaçada. Este evento foi o resultado de uma aliança estratégica com instituições renomadas como o Zoológico de São Paulo, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN/ICMBio) e a Universidade Federal de Santa Maria.
A perereca-rústica, encontrada apenas em campos de altitude da Mata Atlântica, um ecossistema muito afetado pela expansão humana, representa um símbolo vívido da urgência da preservação ambiental. O projeto busca criar uma população robusta que possa um dia revitalizar as comunidades naturais da espécie. Este esforço é essencial para a sobrevivência de espécies em risco crítico.

2023
O ano de 2023 foi repleto de desenvolvimentos notáveis para o Parque. Um dos destaques foi a reforma completa do Viveiro Aves de Rios e Manguezais, um dos primeiros viveiros de imersão do parque. Agora, com mais de 700 metros quadrados, a estrutura modernizada aumentou o conforto e a ibilidade para os visitantes e preservou o legado do espaço que era o favorito do fundador, Dennis Croukamp.
Além disso, o Parque recebeu uma certificação da ALPZA pelo projeto “Voa, Jacutinga”, focado na reprodução estratégica de jacutingas, que são criadas de forma natural pelos pais, crescendo em ambientes dinâmicos e enriquecidos, preparando-as para serem reintroduzidas no ambiente de ocorrência de natural da espécie.

2024
O Parque deu um o inovador com o lançamento do “Conecta”, uma experiência guiada que transforma a forma como os visitantes interagem com a natureza. Diferente dos eios tradicionais, o Conecta oferece aos participantes uma chance rara de adentrar áreas restritas do parque, permitindo uma interação direta com as aves e uma visão privilegiada dos esforços de conservação em andamento.
Durante a experiência do Conecta, que dura aproximadamente três horas, pequenos grupos são conduzidos por educadores especializados através de atividades interativas. Os visitantes têm a oportunidade de alimentar algumas aves, explorar trilhas exclusivas e saborear pratos preparados com Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), proporcionando uma jornada tanto sensorial quanto educativa.



“Ao longo dos 30 anos de atuação, o Parque contou com mais de uma centena de instituições parceiras, seja para atuar com o manejo dos animais, com questões conservacionistas, fornecimento de produtos e serviços sustentáveis, gestão de recursos e pessoas, e mais”, finaliza Anna.


Três décadas de dedicação transformaram este parque em um lugar onde a natureza fala, os visitantes ouvem e juntos celebram a vida. Cada canto de ave, cada voo observado e cada novo visitante que a pelos portões do parque carrega consigo uma faísca dessa magia.
Esta é a verdadeira essência do Parque das Aves. Testemunhar a vida pulsando em cada canto, cada viveiro oferecendo uma experiência indescritível. Se esse era o sonho de Dennis e Anna Croukamp, podemos afirmar com certeza que eles não apenas o realizaram, mas criaram um legado que continuará a encantar e inspirar gerações futuras.