Quando cheguei ao Centro Executivo Itaipu Binacional, fui recebida por um simpático senhor que gentilmente me contou a história de vida de seus avós e pais, e grande parte desta história está relacionada aos primórdios de Foz do Iguaçu. Por isso, convido você a se acomodar e pegar um café, porque a conversa foi longa.

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Talvez poucas pessoas vão lembrar-se do sobrenome Risden em Foz, mas a família foi uma das primeiras a escrever sua história nas terras iguaçuenses. Tudo começou no final do século 19, quando a cidade ainda era um vilarejo. Marcelino e Clara (avós de Anatalicio Jr.) fixaram residência onde hoje é a Avenida Brasil, que na época não era asfaltada nem possuía luz elétrica. Marcelino e Clara tiveram 12 filhos, todos nascidos em casa, pelas mãos da mesma parteira, Dona Vicentina, que também foi madrinha de todos.

Vida e morte de Marcelino

Marcelino Risden nasceu em 25 de outubro de 1891 e era um homem à frente de seu tempo, trazendo muitos benefícios à região. Segundo depoimentos de familiares, foi o primeiro comerciante ao abrir o Armazém Marcelino Risden. Também foi o primeiro a ter um gerador elétrico. Ele teve luz em casa devido ao gerador que ficava nos fundos da casa, perto do Rio Monjolo. No armazém tinha tudo: tecidos, comestíveis, produtos de limpeza, artigos de decoração, entre outros. Para reabastecer o estoque, seu Marcelino comprava em Curitiba e trazia os produtos para Foz. Mas era uma viagem demorada e cansativa. Ele ia de carroça e levava cerca de um mês para chegar à capital e outro para voltar. Assim, ficava fora de dois meses e meio a três meses. No entanto o esforço era necessário, pois foi o comércio dele que auxiliou a população local e dos arredores a suprir suas necessidades básicas. Além desse armazém, ele tinha uma padaria.

Pergunto ao senhor Anatalicio Jr. se ele lembra onde esses comércios ficavam localizados se existissem nos dias de hoje, e ele me conta que a casa da família ficava em uma esquina da Avenida Brasil com a Rua Jorge Sanwais, e que esse imóvel foi adquirido em 1915, do lado esquerdo da avenida. Nos dois lotes contíguos e sequenciais à casa ficavam o armazém e a padaria.

A família também possuía uma chácara chamada Maracanã, onde hoje está localizada a Vila Maracanã. Nela, a família plantava erva-mate e tinha uma pequena fábrica artesanal para processar a planta, inclusive com barbaquá (estrutura de madeira com um forno para secá-la completamente). A erva, depois de processada, era comercializada até no exterior. Também havia criação de vacas leiteiras, ovelhas e porcos, mas a produção servia apenas para o consumo familiar e dos empregados, visto serem muitos comensais.

Além de todas as atividades que o comércio e a família exigiam, Marcelino Risden ainda atuou no campo da política e serviço público. Ele foi vereador por quatro mandatos seguidos (1916-1932) e juiz de paz (1941).

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Em meados da década de 1920, segundo Dona Clara contava às filhas, o pai adquiriu um caminhão Ford a manivela. Esse foi o primeiro caminhão da cidade, conforme ela lembrava. Na época, a Avenida Brasil era conhecida como Rua Botafogo, e até hoje é marcante para os pioneiros, pois era uma via íngreme e muito difícil de subir, principalmente quando chovia, momento em que ela ficava coberta de lama e era necessário empurrar as carroças e carros.

Revolução de 1924

Muitos soldados da Coluna Prestes vieram para Foz do Iguaçu por conta da Revolução de 1924. Isso mudou a rotina dos moradores por um período. Foi no mês de setembro daquele ano que a cidade se viu tomada pelos revolucionários, e no meio disso, em um primeiro momento, a família Risden foi para o Paraguai devido ao receio pela revolução. Depois, o Sr. Marcelino e família voltaram para cuidar de seus negócios atendendo a população e às tropas do Exército.

Naquele tempo a família estava completa e era composta pelo pai, Marcelino Risden, pela mãe, Dona Clara Hansen Risden, e 12 filhos, sendo cinco meninas e sete meninos. A maioria dos filhos tinha um apelido. A sequência deles, por ordem de nascimento, é: Theodoro (Tito); Frida (Tita); Anatalicio (Nenê), pai do almirante Risden; José (Ieca); Emília (Nena); Alberto (Miquilo); Miguel; Idete; João; Ramão; Erna e Emir (Miloca/Polaquinha).

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Como a história é muito antiga, Anatalicio Jr. recorreu à família para relembrar alguns fatos marcantes. Um desses, que as tias Erna e Emir se recordam, era o de Dona Clara contar de uma epidemia de sarampo em que o irmão de apenas 1 ano, João, veio a falecer. Na época, havia apenas um médico na cidade, Dr. Dirceu Lopes, que atendia todo o entorno. Emir é a caçula dos filhos e pouco se lembra do pai, que faleceu muito jovem, com cerca de 50 anos. Contudo uma lembrança forte é que ele sempre a protegia e a chamava de “minha Polaquinha”.

Na área esportiva e de lazer de Foz do Iguaçu, o Sr. Marcelino também esteve presente. O primeiro campo de futebol da cidade foi doado por ele, no terreno em que hoje se localiza o Hotel Rafagnin. Além disso, ele foi o fundador do time de futebol ABC. Havia somente dois times de futebol; o outro era chamado de Guairacá, equipe do Exército. O pioneiro também ajudou a fundar o Oeste Paraná Clube, no local hoje ocupado pelo Supermercado Ítalo, do centro. Os filhos Anatalicio e Jair eram do time Guairacá, visto que naquela época serviam no Exército. O time ABC durou muitos anos, chegando a ter jogadores da família até a terceira geração (netos). A curiosidade é que em ambas as equipes havia familiares.

 

A vida sem Marcelino

Dona Clara Hansen Risden, nascida em 24 de abril de 1901, sempre foi uma mãe atenta e firme na criação de seus filhos, além de ajudar seu esposo em seus negócios. Remédios naturais e alimentação saudável eram os tratamentos que ela ministrava a seus filhos. Considerada por eles e pela comunidade uma pessoa muito bondosa, ela perpetuou a memória familiar contando histórias do Sr. Marcelino e do cotidiano do casal.

Entre as histórias contadas por ela e relembradas pela família, há as do Armazém, onde tudo era exposto a granel. As pessoas vinham com suas sacolas, e os grãos eram pesados e entregues aos clientes. Era pedido que os compradores levassem um produto ou outro a mais, entretanto se percebia que a pessoa não tinha condições de pagar o Sr. Marcelino não cobrava pelos alimentos extras e ainda enchia suas sacolas com mais mercadorias a fim de garantir sua subsistência. A população local o chamava de “Coração Bom”.

Após o falecimento do Sr. Marcelino, em 14 de dezembro de 1945, os filhos auxiliaram Dona Clara na istração do Armazém até se casarem.  Posteriormente, a família arrendou o comércio por uns cinco anos antes de vendê-lo.

Foto da família Risden em 1931

Anatalicio Risden

Anatalicio Risden, terceiro filho de Marcelino e Clara, e pai de Anatalicio Jr., nasceu em Foz do Iguaçu em 25 de dezembro de 1920. Desde muito jovem, ele já ajudava o pai no armazém e nos outros negócios da família, até o momento em que foi convocado para o Exército devido à Segunda Guerra Mundial. No Exército, ele foi constantemente elogiado por fazer muito além do dever.  Serviu na 1ª Companhia Independente da Fronteira, patrulha montada, e após dez meses foi promovido a terceiro-sargento. No ano de 1943, a companhia foi extinta e ou a ser chamada de 1º Batalhão da Fronteira. Um ano depois, Anatalicio iniciou sua vida com Doracy.

Para saber sobre a história dos pais de Anatalicio Jr., ele me conta que sua mãe, hoje aos 97 anos e lúcida, é quem pode dar detalhes dessa história. Doracy Bernardi nasceu em 18 de março de 1923 em Foz do Iguaçu. Filha de Roza e Constante Bernardi, era muito jovem quando começou a lecionar na Escola Bartolomeu Mitre para crianças do primário. Ela se lembra de como cresceu na profissão, naquela época, com o auxílio de professoras mais experientes e da direção.

Ela relata que era vizinha de Anatalicio na Avenida Brasil. Do lado esquerdo estava a família Risden; e do lado direito, a família Bernardi. Doracy fala que desde pequena já gostava dele, pois, assim como Marcelino e Clara, Anatalicio era bondoso e amado pelas pessoas que o conheciam. Eles se casaram em 18 de março de 1944, na Chácara Maracanã, e ela ou a se chamar Doracy Bernardi Risden.

A jovem professora ficou no Bartolomeu Mitre até o nascimento de sua primeira filha. Nessa época, o seu esposo foi transferido, pelo Exército, para Curitiba. Por conta disso, ela deixou a escola e acompanhou Anatalicio até a nova localidade, onde permanece até os dias de hoje. Lá foi empregada em uma escola estadual, na qual exerceu a docência na área de culinária, juntamente com o professor Germano Parciornik. ado um tempo, ela foi nomeada para a Escola Leôncio Correia, local em que trabalhou por 20 anos.

Doracy menciona que a vida em comum foi feliz e harmoniosa até o ano de 2015, quando Anatalicio Risden faleceu, no dia 12 de janeiro. Ela relembra com muitas saudades dos bons momentos juntos, sempre agradecida a Deus pelos frutos dessa linda história de amor: seus filhos Dora, Dóris, Sandra, Anatalicio Jr. e Rosa.

Boas lembranças de Doracy

Ela também tem a lembrança de uma viagem do esposo para Foz em que ele visitou as obras da Ponte da Amizade no ano de 1961. Recorda-se, ainda, de uma ida a Foz do Iguaçu em visita aos parentes, na década de 1980, quando conheceu as obras da construção de Itaipu e ficou tão maravilhada com a grandiosidade do monumento, que não pôde dormir naquela noite. Outra lembrança é do ano 2000, quando a família se reuniu em Foz para o Natal. Foram cerca de cem pessoas.

Em 2019, ela voltou à cidade e visitou a usina em funcionamento. Novamente maravilhada, agora com o profissionalismo e competência dos homens e mulheres que compõem a força de trabalho, disse ter ficado orgulhosa de o filho, Anatalicio Risden Jr., fazer parte dessa equipe. Lembrando-se do ado, percebe que a hidrelétrica trouxe muitos benefícios às comunidades ao redor. Além disso, aproveitou para um eio às Cataratas e fez o seguinte elogio: “Por certo, elas fazem jus ao título de uma das maravilhas do mundo”. Nesse eio, caminhou pela trilha; voltou a ver as quedas; fez a aventura do Macuco Safari, incentivando os mais jovens e sendo aplaudida por ser a pessoa mais idosa a participar da diversão (96 anos).

Foto de Anatalicio e Doracy com os filhos visitando as Cataratas do Iguaçu.

Risden Jr.

Depois de ar pelas gerações adas, chegou a vez de contar a história dele, o senhor que conheci naquela manhã de fevereiro de 2020 e que gentilmente compartilhou a história de sua família conosco.

Risden Junior é o único filho homem do casal. Nasceu em Curitiba, em 17 de dezembro de 1956. Assim como suas irmãs, foi criado com todo amor e rigor necessários para a formação de um caráter firme e honesto. Apesar de ser o segundo filho mais jovem, nunca foi privilegiado com qualquer benefício além do carinho e da educação destinados a todos de casa. Ele estudou no Colégio Militar de Curitiba, hoje prefigurando no rol de alunos ilustres. Não obstante ser um curitibano, cresceu embalado pelas histórias iguaçuenses contadas por seus pais e avós. Sempre que possível, vinha a Foz para visitar os parentes queridos (tios, tias e primos). Dessas visitas, ainda mantém a lembrança das brincadeiras nas ruas e bairros.

Em 1975, o jovem Risden Junior ou no concurso para a Escola Naval. Entrava pelos portões da Ilha Villegagnon com a expectativa de um sonho a ser realizado, pois o alimentava desde a idade juvenil. A partir daí ficou conhecido pelo nome de guerra Risden (expressão utilizada pelas Forças Armadas para designar o nome pelo qual a pessoa será conhecida dentro das instituições militares). Ao final do primeiro ano na Escola Naval, ele fez a opção pelo Corpo de Intendentes da Marinha e seguiu a carreira até 2015, quando foi transferido para a reserva remunerada da Marinha como vice-almirante e iniciou uma nova fase profissional.

A profícua carreira na Marinha do Brasil foi pontuada por trabalho árduo, contínuo e crescente. Suas promoções se deram na seguinte sequência:

 

– Segundo-Tenente                        31/8/1979

– Primeiro-Tenente                         31/8/1981

– Capitão-Tenente                           31/8/1984

– Capitão-de-Corveta                     31/8/1990

– Capitão-de-Fragata                      31/8/1995

– Capitão-de-Mar-e-Guerra           31/8/2001

– Contra-Almirante                          31/3/2008

– Vice-Almirante                              31/3/2012

 

Durante mais de 40 anos de carreira, o almirante Risden atuou em prol do Brasil em diversos cargos e funções em navios e organizações militares dentro e fora do país. Ele exerceu cargos de: coordenação; ensino; chefia de gabinete; membro de Estado-Maior; chefia; direção; conselheiro; além das comissões especiais como ajudante de ordens do presidente da República (José Sarney); assessor parlamentar do Comando da Marinha; subchefe da Estação Brasileira Comandante Ferraz, na Antártica; e representante da Marinha do Brasil junto ao Comitê Internacional de Desburocratização.

Devido ao tempo e experiência adquiridos no exercício de suas funções, concomitante ao zelo e bom cumprimento delas, foi reconhecido por meio de diversas condecorações, sendo as principais:

 

– Ordem do Mérito da Defesa – Comendador

– Ordem do Mérito Naval – Grande-Oficial

– Ordem de Rio Branco – Cavaleiro

– Ordem do Mérito Aeronáutico – Comendador

– Ordem do Mérito Judiciário Militar – Alta-Distinção

– Ordem do Mérito Militar – Grande-Oficial

– Medalha do Mérito Mauá

– Ordem do Mérito do Trabalho – Cavaleiro

– Medalha da Vitória

– Medalha do Serviço Militar de Ouro com ador de Platina – 4º decênio

– Medalha Mérito Tamandaré

– Medalha Mérito Marinheiro

– Medalha Naval de Serviços Distintos

– Medalha do Pacificador

– Medalha do Mérito Santos Dumont

– Medalha Mérito Acanto

– Prêmio “Almirante Luiz Philipe Saldanha da Gama”

– Prêmio “Museu Histórico Nacional”

– Ordem do Mérito Brasília – Cavaleiro

– Emérito Cidadão de Curitiba

 

Com tantos títulos em seu currículo, não é de se surpreender que o Almirante Risden venha de uma educação doméstica pautada no afeto e união, por isso valoriza os vínculos de família e de amizade. No ano de 2012, a Câmara Municipal de Curitiba o agraciou com o título de Vulto Emérito de Curitiba, pelo qual ele tem muito apreço. Na ocasião, disse: “Depois de um tempo de serviços prestados, os reconhecimentos começam a despontar, mas tornar-se vulto emérito da minha cidade é, sem dúvida, o maior prêmio que recebi”.

A partir de 2015, com o advento da reserva, o Almirante Risden, contrariando o senso comum, continuou uma rotina de trabalho e aprendizagem. Ele se tornou consultor e professor na Fundação Getúlio Vargas até o ano de 2018. Nesse mesmo ano, foi convidado para participar da equipe de transição governamental.

No dia 26 de fevereiro de 2019, assinou o termo de posse para o cargo de diretor financeiro executivo da Itaipu Binacional. Nesse primeiro ano de direção, o Almirante Risden tem buscado conduzir a Diretoria Financeira, em conjunto com o diretor financeiro paraguaio, Dr. Fabian Dominguez, prezando pela binacionalidade; pelo uso racional e austero do orçamento, de forma a reduzir os gastos de custeio e disponibilizar recursos para projetos estruturantes, que venham beneficiar a população dos dois países; e pelo patrimônio humano da empresa.

Almirante Risden com os filhos

E quem iria pensar que seria em Foz do Iguaçu que o Almirante Risden exerceria esse trabalho. Voltar a Foz do Iguaçu para assumir um cargo de tamanha relevância trouxe a ele a oportunidade de estar mais próximo de suas raízes e familiares. Assim como expressou sua mãe, motivo de orgulho. “Fiquei feliz por voltar à terra natal dos meus pais. Cada dia me surpreendo com um povo acolhedor e amigável. A cidade bem cuidada e arborizada, retrato dos iguaçuenses, convida para eios a pé e ao exercício físico. Além disso, temos aqui um comércio bem abastecido, com bons restaurantes e opções de entretenimento. Esse conjunto de características citadinas eleva a qualidade de vida”, comenta o Almirante.

Ele conta também que, desde o falecimento de seu pai, sua mãe tem buscado incentivar a união familiar, ando a organizar encontros familiares anuais. Ano ado foi realizado em Foz do Iguaçu o quarto encontro da família. Ele se sentiu muito feliz e grato por ter sediado esse momento familiar em sua casa, junto com sua mãe, irmãs e outros parentes na cidade que o está acolhendo. Ademais, estender aos seus filhos, Alexis e Amanda, a chance de colocar os pés onde a história de sua genealogia começou é ímpar.

E apesar de ser uma história longa, para o Almirante ainda há muito que escrever nas terras iguaçuenses.

Uma das festas da família Risden

 

Colaboração: Eliana Takamoto / Fotos: arquivo pessoal

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